quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Céu da Véspera do Inferno

E era assim,
um dia típico de baixa primavera
na latitude 23 do Sul do Mundo.
Manhã fresca, tarde abafada e
chuva passageira antes do ocaso.
Ele era meio místico
Não obstante seu forçado sarcasmo.
Ria e cria piamente (ainda que de passagem)
nos efeitos do “inferno astral” em si.
Vinha vivendo o seu ao lado dela.
Mas uma constatação o abalou!
Sua "companhia medicinal" repentinamente
(como a chuva) viraria veneno...
Ela entraria amanhã no “inferno astral”.
Como poderia suportar dois infernos?
Assim, aquela presença que outrora curava
precisaria ser repelida, banida...
E não é que não a amasse. Pelo contrário!
Mas como querer ser maior que os astros?
Como desafiar o que era ordenado pelos céus?
Assim ele a deixou.
Ela não entendia e não aceitava.
Procurou entender, mas ele anunciou,
solenemente, e com rispidez
que ele não era mais ele...
Era hora de partir e deixar partir...
E entre tantos partidos e partidas
se partiu seu coração...
cabisbaixa pela rua, iniciado o inferno
sentiu-se culpada e chorou...
A dor afogava o peito trepidante,
enquanto as lágrimas limpavam os olhos.
Quando estava há um passo do abismo,
sentiu a chuva alcançar e abraçar
cada centímetro da sua pele...
Mal se molhara e já sentia a chuva partindo
Por que se foi tão depressa?
Mas não tinha volta - a chuva ausente ficou em si!
O frescor e a roupa molhada eram revigorantes.
Abriu os olhos e nem quis olhar para o abismo.
Resolveu erguer a cabeça e olhar pro céu.
Ficou na dúvida se o céu sempre fora lindo assim
ou se era efeito de sua dor... dor?
Sentia agora um prazer inexorável!
Sentia alegria pela chuva que passou.
Sentia alegria pelo amor que partiu.
Sorria de lembrar tudo de bom que viveu.
Trocar a postura cabisbaixa pelo céu.
Sentir gratidão pelo vento que passa.
Mas que fica ali, no corpo transmutado.
Tudo é transmutação, tudo passa...
O que não passa é esta reverência pela vida.
Agradecida sorriu como nunca tinha sorrido.
Lembrou-se que estava no inferno, mas que,
mesmo dali, podia-se voar até o céu com os olhos.
Podia-se enviar seu cheiro a viajar com o vento...
Podia-se amar aquele instante de vida inédito,
único, irrepetível, raro, sublime...
E se havia qualquer possibilidade de um dia se culpar
apenas por ter vivido a vida em sua plenitude,
o céu desenhou pra si um arco-íris respondendo:
Basta erguer a cabeça para tocar o céu e afirmar a vida!

Na pólis do amor não há espaço para culpa!
E s houver dor, que seja pra trazer a alegria!
Amém!

“...o meu inferno é o céu
pra quem não sente culpa
de nada...”
(Herbert Vianna)

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Pedalada Engarrafada.

Gostaria de poder colocar cada centímetro pedalado ao seu lado em uma garrafa de vinho.
Esquecer que as vezes corro pra longe de ti por não suportar odores que pra ti são aromas essenciais.
Lembrar, no entanto, de todos os motivos que tinha pra fugir da nuvem de cigarro no lugar que eu estudava e respirar o ar puro do teu local de estudos.
Ah... Que estou eu a dizer? Esquecer... Lembrar...
Somando tudo e colocando na balança dos momentos que valem a pena ser vividos, sobram motivos pra agradecer.
Então coloco na garrafa de vinho o meu pneu de pista e o seu pneu de trilha.
Meu baixo viola e sua guitarra strato...
Nossos bons momentos em jogos de futebol e shows que curtimos juntos, e também aqueles que curtimos longe.
Coloco na garrafa o encantamento com certas ideias filosóficas, os impasses, os debates e a satisfação de chegar a bons argumentos temperados com o nosso salgado (e sagrado) suor.
Coloco na garrafa amoras e pitangas, um rio, um pedágio, uma usina histórica que já não existe, um outdoor, uma passarela e uma autoestrada federal onde pudemos deitar por alguns minutos...
Coloco as histórias que ouvi, e as histórias que contei...
Algumas histórias servem pra entreter, suportar os trajetos, as subidas.
Outras histórias são graves, fruto de muita imaginação em torno de um enredo que soa como ideia fixa.
Como foi bom verbalizar a ideia fixa!
Ver aquela frágil semente despontar pela primeira vez em palavras faladas.
Passo inicial pra uma história escrita, ou não...
Não sei que odores eu tenho exalado em minha sede de ar puro.
Mas sei reconhecer quando os teus sentidos silenciam em busca de ares diferentes dos meus.
Não sei se haverá ocasião em que andaremos novamente em busca dos mesmos odores, pistas, estradas ou melodias...
Amanhã? Depois? Talvez a frase do poeta (que não é nenhum de nós) peça um "tanto faz" ou "nunca mais"...
Mas "tanto faz" não seria opção pra mim...
Prefiro a imagem da garrafa de vinho. 
Possibilidade de sorver cada momento novamente.
Mesmo que a vida condene a um eterno suor solitário.
Poder agradecer pelo que passou e pelo muito que ficou disso tudo.
Me abstenho no entanto de projetar... 
Criar expectativa para além de mim seria uma forma de tirania.
Então não espero. 
Mas celebro como quem viveu momentos que nenhum sábio, rico, milionário, ou santo viveu. 
Momentos únicos e irrepetíveis. 
Momentos que eu gostaria que tivessem durado um pouco mais...
Momentos que ajudam a afirmar uma vida que vale a pena ser vivida...
Ao último ser humano que me suportou por mais de duas horas, 
Deixo um grande abraço e pedaladas engarrafadas neste dia especial!

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Zombeteiros Tombos III (ReTombando)

Ciclicamente caí outra vez
Orgulhosamente, desta vez
Mantive-me longe da chave
Olhei e vi livre a frase bike.

É um zombeteiro negar do chão!

Dedico o tombo aos outros dois (I e II)
Ouço voz me jurando um depois
Com requintes de crueldade
Espreita o espírito de gravidade...

Amanhece outro dia verbal

De um livro em escala mental
O calor no meu peito é brutal
ReTombando: corrida e pedal!