sexta-feira, 2 de abril de 2021

Vidas Raras (parte 2) – O menino

Quando ele surgiu em minha vida, a primeira reação foi de medo das reações. A pouca idade e o espírito roqueiro/zoeiro me renderam inúmeros tapinhas nas costas com frases do tipo: “agora tem que levar a vida à sério, hein?”. Outros afirmavam que tudo mudaria, que não era fácil ser pai, entre outros.

Decidi não me afetar e agir com naturalidade. Não parei de encarar a vida com bom humor e nem de ouvir/tocar rock. Luiz Miguel foi bombardeado desde a gestação com muito Rock...

Como única criança do rolê, ele ia pra ensaios de banda, UEL (onde eu e sua mãe estudavamos), ensaios de teatros da Paixão de Cristo, onde muitas vezes era eu no papel de Cristo. Mas ele gostava mais dos soldados romanos. Sozinho no quintal, sempre via-o crucificando o Cristo com um capacete de panetone na cabeça e um chicote improvisado de barbantes. Depois passou a imitar o Anitelli, do Teatro Mágico.

Nunca precisei mudar! Ao contrário, ganhei um parceirinho de rock, teatro e vida. Esse combo de alegrias foi até 2011, quando veio a irmã que já nasceu e encarando uma cirurgia. No final do ano veio pra ele uma gripe forte que não cedeu em uma semana. Vômito com sangue corpo ardendo em febre no meu colo, na fila de espera para o internamento na UTI. A morte do meu filho parecia inevitável. Apesar dos teatros, nunca pensei que seria capaz um dia de querer, como Jesus, doar a minha vida por alguém. E ali, naquele terrível corredor de hospital, eu faria qualquer coisa para assumir a posição moribunda em que ele se encontrava.

Mas não havia nada a fazer além de confiar no trabalho dos profissionais de saúde que cuidavam dele. Era a segunda vez em nove meses em que eu estava na situação de ver um filho na UTI.

A ciência venceu a morte mais uma vez. Eu não troquei de lugar com ele, mas valeu a pena confiar na medicina. Claro que aquilo marcou. O LM nunca mais foi o mesmo. Eu nunca mais fui o mesmo. Apesar dos pesares, resistimos!

É triste ver hoje, diante da pandemia, tanta gente sofrendo por alguém em uma UTI. Às vezes até morrendo sem leito disponível. Deixo meu abraço a todos os que tiveram alguém que perdeu essa batalha. Aos que lutam, resta confiar na ciência. 



quinta-feira, 1 de abril de 2021

Vidas Raras #01 - Duas UTI's e um trauma

Há exatamente uma década eu lia Nietzsche em um leito no hospital. Aguardava o momento de olhar pela prmeria vez para a minha filha. Ela chegava bem no dia do quinto aniversário do irmão.

Um erro de digitação em um documento havia me tirado de forma cruel a possibilidade de dar aulas como professor substituto. Fazia mestrado na UEL e concorria à uma bolsa da Capes. Por isso lia Nietzsche. Eu era pai de dois filhos. E desempregado. Mas o filósofo me dizia "amor fati". E assim seria, pensava...

A menina nasceu e logo foi possível vê-la na encubadora. Mas ela não sairia de lá naquele dia. Nasceu com atresia de esofago e foi transferida para o Hospital infantil, onde deveria fazer uma cirurgia como única chance de sobreviver. Deu certo. Mas foram duas semanas de UTI. Nesse meio tempo veio a minha bolsa e, graças ao SUS e seus profissionais, o LM também pôde receber a irmã em casa.

Amor fati!

A morte próxima de minha filha motivou-me. Aquele outono de 2011 seria o mais intenso de minha vida. E a curva apontava para cima. Não sei que tipo de energia me tomou, mas o inverno de 2011 fez eu sentir-me um Zaratustra chegando ao grande meio-dia da existência. Prosas, futebol, poesia, rock and roll... Era do mestrado para o doutorado. Dali para a docência e carreira acadêmica.

Mas no dia do meu aniversário, ao final da primavera, o @lmcabran vomitava sangue. Ardendo em febre no meu colo, precisou ser transferido do hospital infantil (onde tudo começou) para uma UTI no Evangélico.

Há dez anos refaço mentalmente outono, inverno e primavera. Há dez anos tento escapar àquele ciclo trágico. Dor-prazer-dor...

Li outro dia que a psicologia chama esse ciclo mental de retorno aos eventos de "trauma".

"(...) Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e sequência’  [...]" – Nietzsche, A Gaia Ciência, §341

 

Um retorno à Londrina depois de consulta e exames em Curitiba - 2019