segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Conceitos de Segunda #04

Tenho uma personalidade introspectiva, embora não pareça. Isso faz com que eu fale muito pouco de mim pras pessoas. Eu que sou quase sempre “do contra”, antissocial, provocador, irônico... Vou agora transgredir a mim mesmo, na contramão do meu próprio “lugar-comum”, e vou expor conceitos acerca do casamento de minha mãe no ultimo sábado.

Minha mãe casou-se primeiro com meu pai, em 1982 na paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro aqui em Londrina. Lembro-me de ter passado dificuldades na infância. Lembro-me de meus pais brigando também. Sei que meu pai bebia além do seu limite. Minha mãe trabalhava fora, deixando-nos (eu e o meu irmão) aos cuidados de sua sogra, a vó Mafalda, que morava conosco. Fato é que todo esse sofrimento de uma mulher jovem, que em determinado momento ficou sozinha com os filhos, tornou-se prova levantada e documentada para requerer e conseguir junto a Igreja Católica, a anulação do sacramento matrimonial ministrado pelo finado padre Brás.

Confesso que mexer nessa ferida, me deixou meio chateado... Não gosto da ideia de uma instituição regulando, ditando regra, e criando documentos acerca de nossa vida pessoal. Eu vivi a construção do mito de ter nascido num “lar cristão”, debaixo das “magias sacramentais” católicas. Cheguei a pensar em polemizar, argumentando que, desaparecido o “vinculo mágico” da união matrimonial de meus pais, os “poderes mágicos” do meu batismo ministrado pelo mesmo padre Brás, que aconteceu por escolha do mesmo casal, então imaturo para se casar, deveria ser considerado nulo. Quase fui bater lá na cúria arquidiocesana solicitando o documento de anulação de meu batismo. Preferi abandonar a ideia, embora ainda veja certa coerência nestes meus argumentos.

Eu poderia seguir duas linhas de raciocínio pra opinar acerca desta nova maneira de proceder da Igreja Católica acerca do sacramento matrimonial:

I – “A Igreja evoluiu”, e pode agora sair de suas monstruosas amarras tradicionalistas, em resposta a nossa nova maneira de viver.

II – “A igreja perdeu toda a sua seriedade”, pois não está mais ancorada nas milenares palavras de Jesus na Bíblia que dizem que “o que Deus uniu o homem não separe.”.

Sobre o primeiro caso, lembro-me que nos anos 90, os telejornais apresentavam várias reportagens acerca de casais que eram impedidos de se casar na Igreja Católica, por conta de um dos dois ser estéril. Diziam os bispos: “O objetivo do sacramento do matrimônio é a procriação, de modo que se promova o crescimento e multiplicação da igreja.”. E agora? Minha mãe fez cirurgia a cerca de um ano pra retirar o útero. Será que no discurso recente da Igreja, esta inserida a possibilidade de esses casais inférteis adotarem crianças (o que seria ótimo), ou simplesmente visa garantir às pessoa sozinhas (divorciadas) o direito de ter a companhia (abençoada por Deus) de uma pessoa amada, que ajude a sobreviver às lutas do dia a dia? Em ambos argumentos: Ter uma companhia, ou um parceiro pra ajudar na criação de uma criança abandonada, consigo visualizar a possibilidade de a Igreja celebrar também, sob o mesmo prisma, matrimônios entre pessoas do mesmo sexo. Sem a obrigatoriedade da procriação, sob a égide da relação natural dos homens, qualquer união afetiva torna-se justa e bem vista aos olhos de Deus e da sociedade.

O segundo caso é conservador, e seria o mais coerente pra muitos fiéis hipócritas da Igreja. Alguns batem sempre no peito dizendo que seguem “a risca” as palavras da bíblia sagrada. Que bom que a passagem que eu citei sobre a indissolubilidade do casamento já foi relativizada. Tudo na bíblia deveria ser assim. Já pensou se aquela história de arrancar a mão em caso de fornicação (masturbação ou sexo fora do casamento), ou os olhos, no caso de olhar outro ser humano e sentir atração física, fosse seguida “a risca”... Teríamos centenas de caolhos, cegos e mutilados, pelas igrejas afora nas missas de quarta-feira de cinzas, depois de ver tanta bunda se esfregando na tela das TVs no carnaval.

A bíblia é um livro antigo, cheio de contradições e incoerências. Não deveriam fazer tanto alarde por conta de coisas que nem no tempo em que foram escritas estavam imunes a interpretações dúbias e imprecisas. Tem um valor literário, histórico, e até posso acreditar em certa “magia”, naqueles textos, mas não acho que instituição nenhuma deva regular isso. Não pra mim.

Religião e religiosidade não são temas confortáveis pra ser discutidos. Religiosos, em geral são dogmáticos a ponto de não aceitar troca de ideias, apenas vomitam suas verdades. Se contrariados, eles simplesmente dizem as mesmas asneiras gritando.

Não comungo da revolta de outro(s) quanto ao segundo casamento (talvez primeiro né? afinal o outro Deus abençoou, depois se arrependeu e desabençoou) de minha mãe, mas também não censuro os motivos de tal revolta. Quem a conhece há algum tempo, acostumou-se a ouvi-la dizendo que o meu pai, ao se unir a outra mulher, estava vivendo no pecado do adultério, por conta da “indissolubilidade” do casamento deles. Ela apontava com o dedo pessoas que viviam uma segunda união. Pra ela, tais casais estavam fora dos limites da proteção divina da Igreja.

Sou católico de berço, embora me considere hoje um adepto do “catolicismo trágico”, frequento e toco contrabaixo, ou violão em missas. Já fui um estúpido fanático anos atrás. Depois, na onda de "Teologia da Libertação", fui me tornando de certa forma um “heterodoxo”, um “católico materialista dialético”. Hoje, mesmo sabendo de inúmeras incoerências na Igreja (coisa bem comum ao bicho homem), por vezes encontro lá meu Deus dançarino, tal qual o idealizado por Zaratustra. Minha devoção à música me ajuda a encontrar vida naquele espaço onde o Nietzsche via a morte. Certa vez um seminarista me disse, que sob influência do Nietzsche, as igrejas estavam substituindo imagens de Jesus crucificado, pelo ressuscitado. Tocar baixo nas quartas-feiras diante da imagem do ressuscitado na Catedral Metropolitana de Londrina, me faz bem. É estranho perceber que alguns ateus me veem como um tipo estranho de devoto, e como devotos me veem como um tipo estranho de ateu...

“Ser a capa, e ser contracapa, é a beleza da contradição. É negar a si mesmo. E negar a si mesmo, é muitas vezes encontrar-se com Deus, com tEU DEUS” (Fernando Anitelli)

Esses conceitos (como todos os outros) podem ser facilmente refutados por qualquer pessoa, ou até por mim mesmo, minutos após tê-los publicado. O que não pode ser refutada, é a minha fé no conceito do amor.

Não sou uma pessoa fácil de lidar. Prefiro ser arrogante e indiferente a quase todos, do que ficar de sorrisinhos e papinhos sobre assuntos inúteis. Não é por culpa dele. Nem por ciúmes de minha parte. Fato é que nunca rolou uma proximidade (menor que fosse) entre eu e o noivo da minha mãe. Mas isso é o de menos. Não sou eu quem deve gostar dele... Sou figurinha carimbada pra ela. Ninguém no mundo me conhece melhor.

Ela veio outro dia pedir minha benção pro seu casamento. Dei risada, e disse que isso era absurdo, que ela não precisava disso. Ela me disse que sabia que tinha criado “monstros” acerca do matrimônio na minha cabeça e na de muita gente, e entendia a contrariedade de muitos acerca da ideia. De coração aberto, ela me disse que brotou em si um sentimento. Lutou contra (por conta de suas convicções), mas não pode evitar. É legal a ver superando um dogma pra seguir seu coração. Nunca tinha me sentido tão próximo dela. Sou um apaixonado incorrigível, e aprendi a algum tempo que tem coisas do coração que a gente simplesmente não escolhe...

Apoiei toda a sua inclinação em direção do seu ideal de felicidade. Mas disse a ela que, em minha opinião, ela deveria fazer como as suas irmãs, que depois de separadas, simplesmente passaram a viver com seus novos companheiros. Ela disse que não poderia “viver em pecado”. Essa posição dela, ainda é ultraconservadora, mas pra ela, é um avanço imenso ter se entregado aos seus sentimentos... Sei que muitos estão dizendo por aí que fomos (eu e meu irmão) cruéis em não participar do casamento. Ela mais do que ninguém sabe que detesto cerimônias de casamento, e ser o filho da noiva não seria pra mim uma experiência muito agradável. Quero que ela seja feliz a maneira dela. Não tenho nenhum direito de interferir ou me opor às suas escolhas. Ela ouviu meus motivos pra estar ausênte e entendeu... Só isso me basta. Os outros que se F...

Ela, nem precisava, mas me garantiu que amor de mãe, é coisa indestrutível, intransferível e incondicional... Na manhã do dia em que ela se vestiria de noiva, e entraria à tarde na mesma Paróquia sob testemunho de várias pessoas de sua comunidade e família, sem a presença dos seus filhos, ela me mandou uma mensagem sms, com palavras semelhantes às do poeta: “o meu amor não será passageiro: te amarei de Janeiro a Janeiro, até o mundo acabar...” (Nando Reis)

BjundATÉsegunda!