segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Perto Demais

Às vezes nos tornamos reféns de uma imagem humana que se desenha em nossos olhos, e fica ali impressa. Quando temos sorte e coragem, vamos chegando perto e de repente, num momento mágico aqueles outros olhos miram os nossos, fazendo nascer assim a mais doce das ilusões.

Alimentamos a crença de ter encontrado a parte que faltava em nós... Somos religiosamente convencidos de que todo o sentido antes ausente em nossas vidas se materializa ali, no interior daquele inevitável e hipnotizante par de olhos.

Quando chegamos perto... Perto demais... Vamos aos poucos esquecendo os primeiros olhares e percebemos, não sem dor, que nosso universo é único, e a realidade árida e solitária. Procuramos novamente o sentido...

Ficamos com medo de perder o outro. Mas nem nos damos conta que só se pode perder àquilo que nos pertence. Assim começamos a desfazer a ilusão. O que era parte de nós passa a ser nossa propriedade. Como podemos construir o absurdo pensamento de que podemos ser donos de alguém?

Queremos a qualquer custo fazer aquele sentimento bom de cumplicidade voltar a brotar em nós. Mas o olhar não é mais suficiente. Pedimos palavras, gestos e imagens que confirmem o sentimento que outrora havia, e que por nossas juras de eternidade, acreditamos estar ali mesmo quando já estamos cansados. Insensíveis a tudo ao nosso redor. Não admitimos que nossas duvidas em relação ao outro, vem de nós mesmos.

Se para milagrosamente juntar duas pessoas em um único universo bastava apenas um olhar, depois de um tempo é preciso “verdade”, “sinceridade”, “honestidade”. Assim nosso coração ressecado, fica “em paz”, quando tentamos procurar nesses artifícios o sentido agora ausente.

Assim esquecemos a brisa que um dia tocou nossas peles apaixonadas. O beijo testemunhado por todo o universo conspirante e paralisado ao nosso redor. Tudo o que era tão natural, agora precisa de provas. Que importa afinal se ela se chamava ou não Alice? O que importa se ela mentiu ou disse a verdade? Quando estamos magicamente conectados ao outro, as palavras parecem ser tão irrelevantes. Mentira, verdade e confiança chegam a ser categorias ainda mais ilusórias que a crença inicial de ter encontrado a parte ausente de nós no outro.

Então é assim, nos esquecemos da brisa, do céu, do frio e do calor... Era tudo tão natural como o nascer do dia... As pupilas parecem ter sido desmentidas pela necessidade de descrevermos as nossas sensações, nossos pensamentos, nossas impressões em relação a outros seres humanos, outras rosas e raposas... Assim nossos mundos soam desafinados aos ouvidos...

No roteiro de um filme, nos exemplos que me cercam, e também comigo, tais dramas de vidas a dois parecem ter uma ligação. Sei que pareço ter hesitado e até desafinei a voz ao jurar que a amaria pra sempre... Sei que não consigo mais fazer com que ela veja o meu amor... Mas mantenho ainda minhas doces ilusões. Tento todos os dias mentir que não sou sozinho. Não vou perder meus dias olhando com piedade as “injustiças” do mundo. Como disse o poeta Pessoa, “haver injustiça é (tão natural) como haver a morte”. No meu universo, uma paixão nunca é desfeita, apenas se transforma... Quase sempre nas mais belas e sinceras mentiras...

Por mais que eu tente, eu não consigo parar de olhar pra você. Não me importa seu nome, nem a verdade, a mentira, ou minha pretensa solidão. Importa apenas que te amo...

*Texto baseado no filme “Closer – Perto Demais” de 2004.


2 comentários:

  1. "Eles não se entendiam, raramente concordavam em algo. Brigavam sempre. E se desafiavam todos os dias. Mas, apesar das diferenças, tinham algo importante em comum: eram loucos um pelo outro." (Diário de uma paixão)

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  2. Jeferson, texto fantástico!

    Pra que nomear o que se transmuta? "Nunca dê nome a um rio..." No entanto... já o chamamos de rio... ainda que as águas passem e venham novas correntes. Agora, saber navegá-las...

    Fantástico...

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