Depois de
dias tensos iniciei o ano nos meus locais de trabalho. Ano passado eu precisava
sair de casa às 6:15 pra começar a trabalhar às 7:45. Um lugar excelente. Mas
distante... Hoje saí de casa com a minha bicicleta às 7:51 e cheguei às 7:58 no
colégio onde realizaria a preparação pra volta as aulas na próxima quinta...
À tarde a
pedalada para um outro colégio teve mais que sete minutos: Foram dez. Uma boa e
estranha sensação de voltar pro colégio em que fui aluno durante os quatro anos
finais do ensino fundamental e todo o ensino médio...
Agora ali
será meu local de trabalho.
Não
recusei o “tour” proposto aos professores novos. Meu olhar não era o de quem
conhece, mas de quem relembra muitas coisas a cada passo... Descrever tudo o
que senti e pensei a cada passo demandaria tempo e paciência pra tentar
traduzir coisas intraduzíveis. Mas olhei com carinho pra sala onde fiz o
terceirão. Também segurei um livro bem velho de série vaga-lume que li na
adolescência. Era o mesmo livro? Sendo a mesma biblioteca, bem provável que
sim...
Mas a
lembrança mais gostosa de lembrar foi de Jessica sentada na beira da quadra de
basquete. A quadra não existe mais, é agora um jardim com bancos... Mas o
“meio-fio” de onde eu olhava Jessica sentada estava lá...
Os
acontecimentos de hoje reuniram condições de tentar resolver um desafio urgente
proposto por um amigo que é sempre gentilmente aberto a responder perguntas,
mas desta vez perguntou. Apenas uma:
“Como seria, pra ti, querer algo que não
pode ter nessa e nem em outra vida?”
Acho que
todos nós temos “querências” de coisas que nunca poderíamos ter. Foi assim com
a Jéssica. Ela “descolada”, membra atuante do “grêmio estudantil” e da oitava
série... Eu da sétima, quieto, tímido...
Ela falou
comigo uma vez toda sorridente. Estava em campanha. Sua chapa “saudações a quem
tem coragem” pretendia controlar o grêmio. Eu, bobo, não vi a militante, mas a
garota linda que dirigia a mim a palavra... Suor frio e coração acelerado como
nunca antes...
Sempre
fui meio “nerd”, apesar de sentar sempre no “fundão” da sala. Nunca tirei nota
vermelha, mas Jessica foi responsável direta por eu nunca ter entendido logaritmo.
Quase manchei de vermelho meu boletim... O fato de eu ter tirado nota azul
(ainda que no limite), faz pensar que talvez eu nem estivesse tão apaixonado
como a minha memória acha que eu estava... Mas lembro que escrevi uma carta.
Uma folha de caderno em frente e verso com algumas palavras e o restante
preenchido com a frase “Estou apaixonado por você”. Era moda ver no “Show de
Xuxa” cartas quilométricas com “Eu te Amo” repetido milhares de vezes. Mas, já
naquela época, eu achava “eu te amo” muito forte pra ser dito assim ao vento,
sem o devido cuidado e sentimento...
Minhas
primas (as gêmeas) e meu irmão acharam a carta e riram, leram em voz alta,
debocharam... Fiquei irado e “fugi de casa”. Parei abandonado em frente a uma
igreja pentecostal, bem próxima do colégio Willie Davids (local da minha
primeira pedalada de hoje). Lá ouvi um sermão onde o pastor afirmava que
somente aqueles que professavam a fé que ele pregava estavam escolhidos para
habitar o reino dos céus. Eu ali, com raiva e sentado no meio-fio, do lado de
fora da fé, pensava: “Estou fora do Reino de Deus...”.
Mas nem
era tão ruim... Se o tal reino teria aquele cara falando aos berros daquele
jeito, era melhor mesmo estar fora. O que eu queria mesmo era entrar no coração
de Jéssica... Minha fuga durou menos de uma hora e, recuperada a carta, dei um
jeito de enfiá-la na caixinha de correio dela... Não sei se ela foi transferida
ou passou a fugir de mim, mas não tenho mais nenhuma lembrança dela além
daquela à beira da quadra...
Outras
paixões vieram, algumas velozes/agradáveis/fugazes, outras longas/sofridas/prazerosas.
A maioria, como sugere a palavra, tem caráter passageiro... Mas existe uma
espécie rara de paixão que parece não ter cura:
"...está aí uma coisa misteriosa.
Existem bilhões de pessoas neste planeta. Mas a gente acaba se apaixonando por
uma pessoa determinada e não quer trocá-la por nenhuma outra." (O Dia do
Curinga – Dama de Espadas – Jostein Gaarder)
O fato é
que, depois da frustração com a Jéssica, consegui realizar muitas coisas que
muitos julgavam impossível. Eu e meu irmão, criados na rua - e sob tutela da vó
Mafalda - éramos cotados pra ocupar uma “vaga” nos presídios do país. No
entanto, frequentamos universidade e nos formamos! Como professor, sempre quis
voltar pro colégio onde passei toda a minha adolescência e o início da
juventude! Hoje voltei...
Algumas
vontades passam. Outras seguem como impossibilidades. Outras a gente sacia.
Algumas, depois de saciadas, voltam a condição de vontades... Pras impossíveis,
acredito que vale a pena preservá-las. Quem sabe o impossível não seja mesmo só
questão de opinião, como disse um chorão...
Sigo
sonhando voar. É bom guardar esta impossibilidade! Talvez um dia alcance o céu
e as estrelas. Mesmo sendo mais provável que a gravidade um dia me vença
definitivamente, esmagando meus ossos inertes junto à terra, ainda assim vale a
pena olhar pro céu com desejo...
Sei que
não solucionei a pergunta. Não é o meu forte achar respostas! Gosto de
perguntar... Mas espero ao menos ter colorido o urgente questionamento do amigo
citado...
Pra
fechar as emoções do dia de hoje, uma lembrança que impulsionou uma vitória pro
agora: O Luiz Miguel ganhou uma bicicleta ao completar cinco anos. Depois de
ter sido diagnosticado com doença rara no ano seguinte, precisou ser preservado
de qualquer atividade de risco, pois sangramentos pra ele podem ter graves
consequências. Agora, perto de completar nove anos e, graças à confiança dada
por um equipamento de segurança, ele pôde finalmente dar as primeiras pedaladas
sem rodinhas...
Um dia de
muita alegria...
Se ele
queria muito pedalar, vontade realizada. Entre outros desejos que ele também
tem, quer muito um dia poder jogar bola (atividade não recomendada na situação
dele). Quem sou eu pra desestimulá-lo? Ele sempre me diz que será “o melhor
jogador de futebol do mundo!” E atuando com a camisa do Londrina!!!
O futuro
não me interessa agora. Hoje, na quadra onde já fiz gol no filho do
ídolo/goleiro Nenéca (a mesma onde meu pai jogava futsal na juventude) meu
filho se tornou “o melhor ciclista do mundo”!
Quem sou
eu pra duvidar de sonhos?
“Sonhar é
acordar-se pra dentro.”
(Mário
Quintana)