sábado, 7 de julho de 2018

Doze Horas Piscantes


         Acordei com o corpo todo molhado de suor, assustado e muito ofegante. Embora sentisse a umidade intensa na pele e a respiração acelerada, não conseguia ainda enxergar direito. Não sabia onde estava, não sabia quando, nem quanto tinha dormido. No fundo, não sabia nem o que eu era! Aos poucos meus olhos conseguiram se fixar num ponto de onde uma luz piscava. A luz era fraca, e possuía um formato estranho, que apagava e ascendia. Seria um código? Era! Eram números:
12:00
“Doze horas”, pensei... O que quer dizer isso? Fui então tomando consciência do tempo, das horas e dos relógios. Não sei quanto tempo levei nessa reflexão, mas estou certo que se passou bem mais que um minuto. Talvez dez, quinze, meia hora... Mesmo assim o relógio insistia em piscar na meia-noite! Ou seria meio-dia?
Ergui então a cabeça até uma janela pouco acima de mim, do meu lado esquerdo. Não era nem noite e nem dia! A luz de fora era fraca, uma penumbra daquelas que se vê pouco antes do Sol inaugurar os dias, ou pouco depois do final da tarde quando a estrela escapa de nossas vistas. Então não podia ser nem meio-dia, nem meia-noite! Poderia ser seis horas! Da manhã ou da tarde? Não sabia.
Começaram então a me ocorrer pensamentos ancestrais! Há quantos séculos haviam animais que, vez ou outra, sentiam o que eu sentia naquele momento? O suor no corpo, o despertar assustado, a respiração ofegante... Isso parecia ser algo tão antigo quanto o Sol e a Lua. Seriam o Sol e a Lua mesmo tão antigos? Ou seriam fenômenos recentes? Não sabia!
Comecei a suspeitar que aquela luz piscando na minha frente não era algo ancestral! Luzes ancestrais, fótons de luz, átomos de Hélio se intensificavam aos poucos do lado de fora da janela. Era, portanto uma manhã! Quantas manhãs já haviam brilhado no mundo daquela maneira? Quantas vezes estas manhãs foram percebidas por animais de corpos suados, ofegantes e assustados? Não sabia!
Mas aquela luz... Doze horas... Talvez já se passara mais de uma hora desde que notei a presença daquela luz piscante! Mesmo assim, o tempo não passava ali! Piscava eternamente e ininterruptamente “12:00”! Vídeo Cassete!!! Sim, aquela era a luz de uma das maravilhas recentes! O vídeo cassete! Como era o mundo antes do vídeo cassete? Para ver uma história se desenrolar dramaticamente, era preciso ter uma boa roupa, uma boa companhia, dinheiro para se locomover e pagar pelo acesso às cadeiras de onde se via o palco! Não, eu sou um solitário, um desafortunado. Não tenho condições para ir ao teatro. Cinema é uma maravilha moderna, mas também é muito caro! Graças ao crediário que consegui fazer lá na loja do centro, pude trazer para casa essa maravilha! Agora era só pegar a bicicleta, ir na locadora e escolher filmes para ver. Mas não podiam ser mais que dois. Ficaria muito caro. Lançamentos então, nem pensar... Não tinha problema. No catálogo de filmes chamados já de “antigos”, eu não tinha visto nenhum! Gastaria uma vida vendo-os! O dono da locadora me deixava levar dois filmes do catálogo pelo preço de um, desde que eu os pegasse à noite e devolvesse no outro dia antes das nove. Se atrasasse, ele cobraria os dois! Foi isso o que aconteceu!!!
Cheguei em casa e gozei do privilégio de viver nessa época tão bem aparelhada! Nenhum dos reis gregos, romanos, germânicos, britânicos, luso-brasileiros... Nenhum ser humano de até pouquíssimo tempo atrás pode desfrutar dessa maravilha! Eu sim! Era mais privilegiado que qualquer privilegiado nobre de outrora... Cheguei em casa e assisti uma história incrível! Era sobre um arqueólogo que vivia muitas aventuras em busca de relíquias históricas! Indiana Jones! Que filme!!! Depois, assisti a um em que um jovem viajava para o passado com ajuda de um carro construído por um cientista! Ele foi lá pras antigas, pra época do rock primitivo! O filme é empolgante! Mas não consigo lembrar do desfecho... O que acontecia mesmo? O Sol já começava a arder nas minhas pernas deitadas no colchão atirado no chão da sala. “12:00”, piscava o relógio na minha frente! Espera aí... Que horas são, de verdade??? Preciso devolver os filmes! Mas preciso rebobinar a fita também! Era outra cláusula do seu Germano, dono da locadora! Entregar no prazo, com as fitas rebobinadas, ou pagar mais dois dinheiros! Eu não tinha mais dois dinheiros...
Liguei o vídeo cassete e coloquei a fita para voltar! Onde está meu relógio? Achei! O que? Doze horas? O relógio tinha parado! Meio-dia ou meia-noite? Não sei!!!! Já disse que NÃO SEI!!! Liguei um velho walk man de onde ouvia fitas de rock e jogos de futebol. Mudei da posição “tape” para a posição “radio”. Tirei da posição “AM” e coloquei na “FM”. Coloquei naquela rádio que anuncia as horas ao final de cada música. Estava com sorte, era o final da música e a fita estava quase toda rebobinada. Restava saber se estava com as horas também ao meu favor. O locutor diz: “no ponto do relógio, 7:57”. Ufa! Tomaria café tranquilamente ainda antes de sair para devolver as fitas. Durante a semana batalharia para conseguir mais dois dinheiros! Teria que pegar novamente o “De volta para o futuro”. Pegaria também a continuação, e, dessa vez, não dormiria antes do fim! Ah, como é bom viver hoje e ser um privilegiado! Preciso desfrutar de toda esta inovação, nunca antes vista ou imaginada!



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