Acordei com o corpo todo molhado de
suor, assustado e muito ofegante. Embora sentisse a umidade intensa na pele e a
respiração acelerada, não conseguia ainda enxergar direito. Não sabia onde
estava, não sabia quando, nem quanto tinha dormido. No fundo, não sabia nem o que eu era!
Aos poucos meus olhos conseguiram se fixar num ponto de onde uma luz piscava. A
luz era fraca, e possuía um formato estranho, que apagava e ascendia. Seria um
código? Era! Eram números:
12:00
“Doze horas”, pensei... O que quer dizer isso? Fui
então tomando consciência do tempo, das horas e dos relógios. Não sei quanto
tempo levei nessa reflexão, mas estou certo que se passou bem mais que um
minuto. Talvez dez, quinze, meia hora... Mesmo assim o relógio insistia em
piscar na meia-noite! Ou seria meio-dia?
Ergui
então a cabeça até uma janela pouco acima de mim, do meu lado esquerdo. Não era
nem noite e nem dia! A luz de fora era fraca, uma penumbra daquelas que se vê
pouco antes do Sol inaugurar os dias, ou pouco depois do final da tarde quando
a estrela escapa de nossas vistas. Então não podia ser nem meio-dia, nem
meia-noite! Poderia ser seis horas! Da manhã ou da tarde? Não sabia.
Começaram então a me ocorrer pensamentos
ancestrais! Há quantos séculos haviam animais que, vez ou outra, sentiam o que
eu sentia naquele momento? O suor no corpo, o despertar assustado, a respiração
ofegante... Isso parecia ser algo tão antigo quanto o Sol e a Lua. Seriam o Sol
e a Lua mesmo tão antigos? Ou seriam fenômenos recentes? Não sabia!
Comecei a suspeitar que aquela luz piscando na
minha frente não era algo ancestral! Luzes ancestrais, fótons de luz, átomos de
Hélio se intensificavam aos poucos do lado de fora da janela. Era, portanto uma
manhã! Quantas manhãs já haviam brilhado no mundo daquela maneira? Quantas
vezes estas manhãs foram percebidas por animais de corpos suados, ofegantes e
assustados? Não sabia!
Mas
aquela luz... Doze horas... Talvez já se passara mais de uma hora desde que
notei a presença daquela luz piscante! Mesmo assim, o tempo não passava ali!
Piscava eternamente e ininterruptamente “12:00”! Vídeo Cassete!!! Sim, aquela
era a luz de uma das maravilhas recentes! O vídeo cassete! Como era o mundo
antes do vídeo cassete? Para ver uma história se desenrolar dramaticamente, era
preciso ter uma boa roupa, uma boa companhia, dinheiro para se locomover e
pagar pelo acesso às cadeiras de onde se via o palco! Não, eu sou um solitário,
um desafortunado. Não tenho condições para ir ao teatro. Cinema é uma maravilha
moderna, mas também é muito caro! Graças ao crediário que consegui fazer lá na
loja do centro, pude trazer para casa essa maravilha! Agora era só pegar a
bicicleta, ir na locadora e escolher filmes para ver. Mas não podiam ser mais
que dois. Ficaria muito caro. Lançamentos então, nem pensar... Não tinha
problema. No catálogo de filmes chamados já de “antigos”, eu não tinha visto
nenhum! Gastaria uma vida vendo-os! O dono da locadora me deixava levar dois
filmes do catálogo pelo preço de um, desde que eu os pegasse à noite e
devolvesse no outro dia antes das nove. Se atrasasse, ele cobraria os dois! Foi
isso o que aconteceu!!!
Cheguei em casa e gozei do privilégio de viver
nessa época tão bem aparelhada! Nenhum dos reis gregos, romanos, germânicos,
britânicos, luso-brasileiros... Nenhum ser humano de até pouquíssimo tempo
atrás pode desfrutar dessa maravilha! Eu sim! Era mais privilegiado que
qualquer privilegiado nobre de outrora... Cheguei em casa e assisti uma
história incrível! Era sobre um arqueólogo que vivia muitas aventuras em busca
de relíquias históricas! Indiana Jones! Que filme!!! Depois, assisti a um em
que um jovem viajava para o passado com ajuda de um carro construído por um
cientista! Ele foi lá pras antigas, pra época do rock primitivo! O filme é
empolgante! Mas não consigo lembrar do desfecho... O que acontecia mesmo? O Sol
já começava a arder nas minhas pernas deitadas no colchão atirado no chão da
sala. “12:00”, piscava o relógio na minha frente! Espera aí... Que horas são,
de verdade??? Preciso devolver os filmes! Mas preciso rebobinar a fita também!
Era outra cláusula do seu Germano, dono da locadora! Entregar no prazo, com as
fitas rebobinadas, ou pagar mais dois dinheiros! Eu não tinha mais dois
dinheiros...
Liguei o vídeo cassete e coloquei a fita para
voltar! Onde está meu relógio? Achei! O que? Doze horas? O relógio tinha
parado! Meio-dia ou meia-noite? Não sei!!!! Já disse que NÃO SEI!!! Liguei um
velho walk man de onde ouvia fitas de rock e jogos de futebol. Mudei da posição
“tape” para a posição “radio”. Tirei da posição “AM” e coloquei na “FM”.
Coloquei naquela rádio que anuncia as horas ao final de cada música. Estava com
sorte, era o final da música e a fita estava quase toda rebobinada. Restava
saber se estava com as horas também ao meu favor. O locutor diz: “no ponto do
relógio, 7:57”. Ufa! Tomaria café tranquilamente ainda antes de sair para
devolver as fitas. Durante a semana batalharia para conseguir mais dois
dinheiros! Teria que pegar novamente o “De volta para o futuro”. Pegaria também
a continuação, e, dessa vez, não dormiria antes do fim! Ah, como é bom viver
hoje e ser um privilegiado! Preciso desfrutar de toda esta inovação, nunca
antes vista ou imaginada!
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