segunda-feira, 12 de março de 2012

Conceitos de Segunda #06

Na ultima sexta-feira, a Ligia teve a feliz iniciativa de criar o blog "Sempre haveremos de precisar uns dos outros...", destinado a relatar e informar sobre a luta pela vida do nosso filho Luiz Miguel, que precisa de transplante de Medula Óssea.

Posso dizer que os “ritos de passagem” e as mudanças nunca me assustaram tanto. A mudança parece ser a única coisa constante ao nosso redor. É claro que existem mudanças lentas e previsíveis como a da metamorfose da lagarta em borboleta, e as mudanças bruscas e assustadoras, como o tsunami que ocorreu no Japão há um ano. Não seria exagero dizer que a notícia da doença genética rara do Luiz Miguel, chegou como um tsunami em minha vida.

Quando a gente está em fase de formação intelectual, no nosso mundo moderno, é comum a pressão por uma tomada de posição em relação a tudo na vida: “E aí, tu é da esquerda, ou da direita?”. Pra não ficar de fora, me apressei a tomar partido da esquerda, escolher um time de futebol, confirmar-me na religião que meus pais escolheram, definir o verde como minha cor preferida, exercitar meu patriotismo em copas do mundo... Pronto. Agora eu já podia ser rotulado e definido. Mais um produto da modernidade racionalista estava formado. Mudar qualquer uma daquelas escolhas me tornaria incoerente com o que eu era. Era...

Li em “O Mundo de Sofia”, aos 18 anos, que pra Heráclito “tudo flui... não se entra duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez, nem o rio e nem você serão os mesmos...”. Isso mexeu comigo. Foi meu primeiro passo em direção ao ponto de vista trágico do mundo.

A partir daí, percebi que o Raul Seixas não estava sendo um simples irresponsável, descompromissado com o mundo quando dizia: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo...”. Aceitar que tudo muda ajuda a não se fechar dentro de uma prisão mental adornado pela “virtude” de uma pretensa coerência consigo próprio, de onde surge sempre em nossa testa um rótulo impresso. Mas respeito quem goste e prefira a comodidade dos rótulos fixos. O primeiro depoimento que recebi no Orkut, em 2006, de alguém que me conhecia muito bem, afirmava que eu era a “metamorfose ambulante” em pessoa. Legal isso. Posso dizer que me mantenho conservador nesse aspecto. Já que é pra ser algo que não mude em hipótese alguma, que seja isso. Minha constância é a mudança... “...Hoje eu sei, só a mudança é permanente. De repente tudo está no seu lugar...” (Gessinger)

Mas mudar uma opinião não é assim tão fácil. Pensar tragicamente o mundo me tornou bem mais tolerante com pontos de vista antagônicos aos meus. Alguns dogmas modernos, entretanto, permaneceram inalteráveis aqui. No tsunami da “Anemia de Fanconi” do Luiz Miguel, perdeu-se toda a minha afinidade com o evolucionismo Darwinista. Eu achava incrível que a natureza selecionasse os mais fortes para o privilégio da sobrevivência. Chagava ás vezes a postular que deveríamos abolir os remédios e tratamentos clínicos, pra termos seres humanos cada vez mais fortes. Se eu pudesse aplicar esse ponto de vista, não teria em minha vida hoje, nem a Clara, e nem o Luiz Miguel. A Clara, sem intervenção cirúrgica ao nascer, não viveria mais que três dias. O Luiz Miguel, sem a Unidade de Terapia Intensiva, teria falecido aos cinco anos de idade no dia do meu ultimo aniversário em dezembro. Pela lei da evolução, o Luiz Miguel deveria ter uma vida muito breve. Aliás, a situação dele hoje, é a de uma criança que caminha para uma morte certa antes de chegar à adolescência. É claro que isso se reverterá com o transplante...

O "tsunami" varreu de minha mente a afinidade com Charles Darwin. Às vezes a gente só muda de ideia quando surge uma questão prática que conteste aquela teoria, tornando-a insustentável. O Luiz Miguel pode até não estar entre os mais fortes fisicamente, mas possui outras forças. Ele é portador de uma inteligência e criatividade incríveis. Ele já conquistou, e se deixou conquistar, com seu jeito tímido/tagarela, muitas pessoas. E não tem aquela inclinação óbvia de gostar de quem um adulto o manda gostar. Ele é super sincero, e faz questão de mostrar seu descontentamento quando é obrigado a estar com alguém por quem não tem afinidade. Se ele estiver ocupado com alguma das pessoas especiais na vida dele, ele não tem o menor problema em ignorar qualquer pessoa que tente conversar com ele naquele momento.

Claro que agora ele possui amiguinhos da idade dele, mas por ser o primeiro neném no nosso circulo de amizades próximas, o Luiz Miguel aprendeu a se divertir por muito tempo com crianças crescidas. Foi muito legal observar estes amigos fazendo um movimento silencioso e natural (não combinado) no facebook, colocando fotos suas com o Luiz Miguel, como suas fotos de perfil. Aquela sinalização de cumplicidade iniciou-se quando ele estava na UTI, e permanece até hoje. Tudo aquilo trazia, e traz uma mensagem muito clara: “Estamos juntos nessa...”.

Claro que muitas outras pessoas vêm nos apoiando de diversas maneiras, e estão sempre presentes na vida do nosso pequeno. Mas quero destacar aqui, os que formaram (e formam) aquele belo mosaico de sorrisos acompanhados do rostinho cênico do Luiz Miguel na rede social. Pessoas onde ele encontrou confiança, proteção, amor e carinho semelhantes ao que encontra aqui em casa.

Até semana que vem... Onde quer que eu esteja...

Com a Ligia e comigo nos cantos inferior esquerdo e superior direito, a Elô (faltou o Thiago na foto), o Jú, a tia Milla, a Dinda, o Mateus, a Sury e a Jú:


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