segunda-feira, 19 de março de 2012

Conceitos de Segunda #07

Eu em uma cena clássica da dramaturgia estou à beira do abismo segurando meus dois filhos, a Clara e o Luiz Miguel, um em cada uma de minhas mãos... Os dois estão escorregando prestes a caírem no precipício sem chances de sobrevivência... Tenho que liberar uma das mãos pra salvar ao menos um deles... Qual dos dois eu solto?

Somos sempre colocados em situações de encruzilhada, tendo que fechar uma porta pra manter outra aberta. Nossa cultura é toda construída em cima do “ou”. É isso ou aquilo... Verão ou inverno? Amargo ou doce? Verde, azul, vermelho ou rosa? Corinthians, Palmeiras, Grêmio ou Inter? São infinitas as situações onde somos moralmente obrigados a optar. A questão do time do coração parece ser a mais séria aqui no Brasil. Falarei de meus times do coração semana que vem, mas adianto um exemplo. Certa vez, meu irmão foi me acusar perante o nosso tio avô Bau, que diz que gosta mais de mim, porque não “dei mancada” com ele. Ele disse ao tio que eu traí o time do coração da família Brandão, e que agora eu torcia pro azul. O sábio tio Bau tragicamente respondeu: Mas eu torço pra esse aí também. Quando vão os dois pra final, eu comemoro antecipado, pois de qualquer jeito meu time será o campeão. Ele tem um time em cada estado, e diz torcer pra todos... Sábio tio Bau!

O Tio Bau aqui é um exemplo de resistência à cultura predominante do “ou”. Desde a era trágica dos gregos essa discussão se estende. Tudo para Parmênides tinha seu oposto negativo. Assim a noite, nada mais era que o “não-dia”. Heráclito, artauto da filosofia trágica, não via dessa maneira maniqueísta. Se para o primeiro existe a opção pelo bem (dia) “ou” pelo mau (noite), o segundo via dia “e” noite como faces diferentes de uma mesma substância. Heráclito com sua filosofia do “e” parece dialogar melhor com o tio Bau que é torcedor do Corinthians e do Botafogo e do Grêmio. Parmênides se afina ao meu irmão, onde se é Corinthians, ou Botafogo, ou Grêmio...

Outro que sempre me ensina a filosofia trágica do “e” é o meu filho Luiz Miguel. Se alguém perguntar sua cor preferida, ele dirá que é o azul, mas também o verde e o vermelho e o rosa... Por que eleger uma única cor se várias me agradam? Claro que vejo a possibilidade de haver uma cor que mais agrade aos olhos de quem quer que seja. Mas não deveria ser uma regra, uma obrigação.

O Luiz Miguel, indo comigo ao estádio, já percebeu que o Londrina é o time que temos a chance de ver mais de perto. Mas ele gosta do Palmeiras e ganhou uma camisa do avô. Ele tem camisas azuis do LEC e do Grêmio, e agora pediu ao tio dele uma camisa do Corinthians. Garoto experto! Se alguém quiser dar mais uma camisa de qualquer time que seja, pode trazer! Não vou dar um fim nela... Ele adora futebol, e camisas de time. Não vou dizer a ele o que fazer. Quem sabe ele não terá o coração como o do Tio Bau em relação ao futebol.

O Luiz Miguel parece ser assim com tudo. Quando perguntado se ele gostava das férias, em dezembro, ele disse que adorava as férias, então perguntei se era melhor que ir à aula, e ele respondeu que adora ir pra escola. Ele é assim... trágico... Férias “ou” escola? Não: Férias e escola...

Voltando ao drama do primeiro parágrafo: Luiz Miguel “ou” Clara? Aproveito do tamanho e menor peso da Clara, e com a força do braço que a segurava, arremesso ela para o alto e pra traz, longe do precipício (depois cuidamos de eventuais ferimentos – nenéns são ultra resistentes), com as duas mãos livres agarro o pulso do Luiz Miguel e o puxo pra cima... Luiz Miguel “e” a Clara...

Entre o clima frio e o clima quente prefiro o ultimo. Não odeio o inverno por isso. O inverno tem seu charme de extremidade. Mas calor demais também rouba a disposição física, por isso me dou melhor com as estações intermediárias. O outono leva pequena desvantagem no meu coração, pois se encaminha para os dias mais frios. Na primavera, as flores, os dias mais longos e cada vez mais quentes, me inspiram... Essa minha opinião embora indique uma inclinação, não está engessada nos ditames do “ou”. Meu ultimo inverno, por acaso, foi muito melhor vivido que o verão turbulento que se despede hoje. Mas até a turbulência tem seu charme!

As “aguas de março” caíram semana passada, e começaram a ensaiar a despedida do verão... Hoje, ultimo dia do verão, não choveu pra dar mais poesia ao momento, mas nem precisa... Mesmo sem a chuva deixo abaixo as “aguas de março” na voz da Elis Regina, que termina o vídeo com uma deliciosa risada, depois de cantar “preda”... Assim não as aguas, mas o sorriso da Elis, que embora tenha se extinguido antes de eu nascer, ficou gravado, e agora chega solto, espontâneo e eterno, “fechando o verão. Promessa de vida no teu coração...”.

Volto aos conceitos no Outono... Até Segunda!!!


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