terça-feira, 26 de julho de 2011

Raul Seixas e o Eterno Retorno

“RAUL é LUAR ao avesso, não tem fim nem começo...”

Pode alguém que não ter seu início calcado num mito fundador? Onde está o avesso do luar? Na manhã ensolarada, ou na noite de temporal? Como resolver com uma mente maniqueísta o avesso do luar sem fim e sem começo? Como uma mente presa nos arames farpados da cultura judaico-cristã-ocidental (ou qualquer outra pesada, medida e rotulada) pode conceber que “ainda é de noite no dia claro desta noite”?
Raul, no final de sua epopéia, concebe o passado e o presente como duas pontas de um mesmo fio condutor, que se encontram em um eterno renovar-se, um curto circuito que gera uma explosão, um novo “big-bang”. A explosão mortífera do encontro do passado com o presente gera um novo início em meio ao caos: “Hoje é apenas, um furo no futuro, por onde o passado começa a jorrar. E eu aqui isolado, onde nada é perdoado, vi o fim chamando o princípio, pra poderem se encontrar.”Certa vez em um ritual de passagem, me deparei com o eterno retorno que aprendi com o Raul, e levei comigo a idéia do herói baiano. O guardião do portal, sentado em uma antiga mesa de inquisição, trajando antigas vestes judaicas de fariseu me perguntou:

-Quem é Raul Seixas? Se é que podemos dizer que “é”... alguém se lembra desse cara? Esse cara não é nada, pois o tempo dele já foi... Você deveria trazer a nós o amigo dele, o...

Quando me deparei com essa afirmação de um membro da mesa inquisidora que avaliava se meu trabalho acadêmico merecia a fogueira ou a redenção, cheguei a postular a possível ausência do Maluco Beleza em nosso caótico presente. Graças a intervenção do Marques Anastasiou, obtive autorização de passar pelo portal e voltar ao início...Meu olhar e meus ouvidos ficaram mais atentos, e logo percebi que o inquisidor estava errado. Pelos corredores das escolas em pleno século XXI, é possível identificar as frases ácidas do Raul na boca de adolescentes deslumbrados com a descoberta desta “novidade transgressora” tão antiga pra muitos de nós.
Eu que diante do inquisidor, me senti em um universo particular, encontrei em vários outros momentos e espaços a referencia pulsante, viva e escancarada do musico baiano. O meu universo particular foi se expandindo, e tive pena do inquisidor judeu... Ele realmente pertencia a outro universo. Era incapaz de enxergar o Raul em sua frente, pois o Raul nunca é igual.... “É”, repito: “é” “uma metamorfose ambulante”. Só digo que é porque está vivo no presente, não por ser dono de uma essência imutável: Preferir “ser uma metamorfose ambulante” é o mesmo que se colocar na magia do eterno retorno, no de-vir de Heráclito, de Nietzsche, e por que não dizer de Raul Seixas...Precisei perdoar o inquisidor, que engessou suas impressões sensoriais a um modelo irrefutável e inalterável de conhecimento... Pobre judeu... Por sorte não precisei ser pregado na cruz “Deus me livre eu tenho medo...”. O doutor Sigismundo falou, o Marquês Anastasiou concordou e o Raul assinou: “Cada um de nós é um universo...”.

Raul Seixas andou por aí tal qual um herói grego, com uma armadura de “bobo da corte” e fortemente armado com sua guitarra e um microfone. Entendeu o jogo dos ratos e se descobriu em uma das cartas: “Eu sou o curinga de todo baralho, sou carta marcada em jogo roubado: a morte ao meu lado...”

As palavras acima podem ser altamente prejudiciais a quem procura uma essência fundante, uma idéia central. Quem sou eu? Serei o que está no meio de dEUs? Quem é o Raul? Apenas o avesso do Luar? As muitas vozes acima estão presentes na obra musical de Raul Seixas? Se olharmos com atenção, por traz dos guizos do curinga, encontraremos além do Nietzsche e do Heráclito, já mencionados, Freud, Schopenhauer, Crowley, Sartre, São Tomás, Prudhon, Max Stirner, Marx, Elvis, The Beatles, Luiz Gonzaga, Jesus, Judas e até mesmo Deus, entre tantos outros, dentro da mesma “Panela do Diabo”.

Tantas idéias irreconciliáveis, de acordo com os guardiões do monstro SIST, foram devidamente digeridas e vomitadas pela musica de Raul Seixas. Não é a toa que o rótulo mais utilizado pra se referir ao nosso curinga baiano, é o de “maluco”: “Controlando a minha maluquez, misturada com minha lucidez, vou ficar... Ficar com certeza Maluco Beleza...”.

Raul deixa a lição de que não existe anacronismo, pra quem não está escravizado por modelos, e regras de pensamento... O que tem de errado em tomar banho de chapéu se dentro do meu universo existir tal vontade? Comecei este texto sem animo pra citar autores. Queria somente citar o Raul Seixas e minhas experiências... Descobri que eu e o Raul estamos embriagados de varias idéias, vários pensadores cantam suas teorias com seus livros. Descobri um coral de vozes em tonalidades diferentes, formando harmonias inéditas e lindas aos meus ouvidos. Ouvi a voz isolada de Raul dizendo “Faze o que tu queres pois é tudo da lei...”

Seguindo a “Lei da vontade” cheguei até aqui...

Esse texto, de minha autoria, é parte integrante do capítulo "Poeticas Sonoras - Estação Raul", publicado no livro "Cartografias da voz" da editora "letra& voz", Lançado em Julho/2011 na Universidade Estadual de Londrina (pgs. 240 - 242)

3 comentários:

  1. Apesar de ser "ignorante" e não ter conteúdo pra discutir suas experiências com Raul, sou sua fã número 1.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Muito bom o seu texto!!

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