segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Conceitos de Segunda #03

Embalado pelo carnaval, escolhi como divertimento e companhia o romance “O Retrato de Dorian Gray”, escrito pelo irlandês Oscar Wild em 1890. Dorian Gray me apareceu no ultimo dia 24 de dezembro, através da canção inédita de Humberto Gessinger (HG) “Segura a Onda Dorian Gray” tocada em uma twitcam, onde o compositor agradecia as mensagens no twitter por conta de seu aniversário.

Procurei saber quem era o personagem da canção, e as informações que encontrei no Oráculo (Google) pouco me revelaram, mas me instigaram a conhecê-lo mais de perto. Problemas nas semanas finais do ano passado, me furtaram a capacidade de concentração em qualquer texto. Finalmente agora, coincidentemente com a chegada do carnaval, consegui concluir a leitura de um entre os tantos livros que comecei a ler em 2012.

Não pretendo com minhas palavras aqui comprometer uma eventual leitura futura do clássico pra quem ainda não o leu. Mas posso deixar algumas impressões minhas acerca do romance.

Dorian Gray é um jovem de extrema beleza, que provoca uma inspiração doentia no artista plástico Basil. Ao pintar um retrato do jovem, Lord Henrry (um hedonista/niilista), amigo do artista, lança lhe a ideia de que sua beleza se transformaria logo em horrenda velhice, e Gray irritado tenta com ciúmes destruir o retrato perfeito e deseja que a pintura envelheça no lugar dele. O desejo torna-se real, e o quadro passa a apresentar a sua alma em decomposição a cada ato de violência cometido contra si e contra os outros.

A busca incessante pelo prazer, sem consequências físicas para Dorian, o transforma gradativamente em um monstro repugnante disfarçado por sua beleza, vaidade e inalterável juventude. HG, fala como se estivesse dentro do enredo do livro, podendo aconselhar o personagem: “Segura a onda agora Dorian Gray ‘Better tô burn out, than tô fade away’ Segura a onda, sai dessa agora, Dorian Gray...”. A citação do Neil Yung no refrão ilustra um ponto de vista trágico. O fogo traz luz e dor intensas, e se lembrarmos de Heráclito que considerava a combustão como motor do "de vir", é preferível mesmo queimar do que ir se apagando devagar...

Aprendi com um amigo que é possível e preferível viver sempre feliz. Sou hoje um apaixonado pelo ponto de vista trágico do mundo. Mas o Amor Fati (amor ao destino) não anula a existência da dor e da tristeza, aponta que a aceitação do que é inevitável nos arranca amarras pessimistas e nos permite manter a chama da alegria mesmo em meio ao inevitável sofrimento.

Depois de muito tempo distante deste amigo, tive a oportunidade de reencontrá-lo ano passado. No meio de nossa agradável conversa, de quem não parecia ter ficado tanto tempo distante, falei-lhe de ter vivido dias de dor e angustia. Ele me disse que os dias dolorosos, deveriam ser ignorados, e que eu deveria ser como ele, que era sempre feliz, independente do que estivesse acontecendo consigo. Eu em meu ponto de vista trágico do mundo (“venha a dor, venha o prazer, venha a vida em sua plenitude...” [descrição do blog]), desconfiei daquele ponto de vista, mas não pude argumentar na ocasião. Depois disso, ele partiu novamente pro seu lar distante, e eu vivi os dias de maior dor e sofrimento de toda a minha vida... Nem sei se ele soube dos problemas de saúde do meu filho, mas encontrei em meio ao sofrimento, os argumentos pra contestar sua tese. Primeiro no Mario Quintana: "A felicidade bestializa, só o sofrimento humaniza as pessoas". De fato o comportamento “estranho” do meu velho amigo, fazia dele mais besta, mas não menos meu amigo...

Mas até com o Quintana eu discordei depois. Se pensarmos a felicidade num sentido mais amplo que o hedonista e sua busca exclusiva pelo prazer, podemos julgar a felicidade como uma maneira de ver as coisas. Tenho a opinião de que mesmo em meio ao sofrimento e a dor, é possível alcançar a condição de "feliz". Claro que a felicidade, é só mais um conceito, mas se conseguirmos viver no universo afirmativo do amor fati, podemos aplicar esta tese, mesmo em meio a dor.

Tragicamente falando, a dor nada mais é que a outra face, o complemento do prazer. A dor está para o prazer, assim como a noite para o dia, o amargo para o doce... São dois lados em uma mesma moeda. Assim a felicidade pode ser vista não como um sinônimo de alegria (sentido usado por Quintana no poema), mas como um ponto de vista sobre uma vida que traz em sua bagagem cotidiana: alegria, dor, tristeza, prazer... Tudo junto e misturado. É a maneira de lidar com isso que importa. (Se aplicarmos o Amor Fati, otimista, somos felizes/ Se aplicarmos o Niilismo, pessimista, somos infelizes).

Dorian Gray me lembrou este amigo, que vive agora um "lugar comum" de muitos outros que estão “Iguais a santos que andam loucos de satisfação” (A Conquista do Espaço*). Se pudesse revê-lo agora faria um convite: “vamos remar contra a corrente – desafinar do coro dos contentes”? (Pose*). Ele está muito ocupado agora, e um oceano nos separa. Ele não é de ler blogs, e dificilmente passara seus embriagados olhos por aqui. Não vou lhe enviar este texto, pois mesmo sem nos desentendermos, ele ficou com a impressão de que eu o interpreto de maneira "errada", e eu também julgo que ele não me entendeu quando eu disse que ele muito havia me ensinado. Ele julga ter fracassado como meu professor porque lhe confessei dias difíceis, mas meu trágico pensamento, embora tenha bebido em fartos cálices de alegria, jamais deixou de levar em conta com muito apreço o caráter inevitável dos momentos de dor. A dor e o sofrimento nos mantém sensíveis ao mundo, ajuda a valorizar o mais precioso tesouro, que é estar vivo.

Assim julgo que ele foi bem sucedido em seus ensinamentos, pois embora a dor seja tão inevitável quanto a noite, os dias podem ser maiores e mais intensos, como os de final de primavera e início de verão. Assim a alegria é o foco, e a tristeza pode ser vencida como se vence um sono a noite: dormindo.

Se o destino promover mais uma reunião minha com este amigo, eu que não sou muito afeiçoado a conselhos, diria a ele que é vivo e contemporâneo, o que o HG aconselhou ao personagem fictício, como se pudesse mudar seu destino: “segura a onda”! É certo que o conselho do Humberto, não poderá mudar as páginas finais do livro, a menos que fizesemos um exercício de reconstrução mental do enredo. Mas só espero que eu não termine para esse amigo como Basil, que fora o melhor amigo de Dorian Gray no início e...

Se alguém quiser saber o que houve com Basil, aconselho a leitura do livro. Quanto ao meu estimado amigo, sei que ele está muito longe do monstro que se tornou Dorian Gray. A comparação chega a ser exagerada. Apenas me lembrei dele em alguns aspectos do personagem central do livro.

Não me incomodarei se ele rejeitar meu toque e sua embriaguez pela felicidade (hedonista) continuar consumindo seus sentidos, levando a rejeição total da dor. Valorizo demais a amizade, e justamente por isso possuo tão poucos amigos. Mas não posso terminar este coceito de segunda sem concordar uma vez aqui com o mestre Quintana quando ele diz que "A amizade é um amor que nunca morre". Vejo aí um sentimento sublime, que alcança (ou ao menos simula) o ideal do incondicional....


Aproveitando o clima de carnaval, deixo um beijo na bunda e até seguda!!!

*Canção de Humberto Gessinger do disco Gessinger, Licks, Maltz dos Engenheiros do Hawaii.

Música que inspirou minha leitura e consequentemente o texto acima:

6 comentários:

  1. Não tinha ouvido está música ainda. Tudo que o HG fala nos põe a viajar nos pensamentos. Muito bacana seu texto.
    Eu posso ser classificado como um pessimista, mas nos últimos dias estive lendo algo nesse sentido de ignorar as coisas ruins e ver só as coisas boas. Para falar a verdade tem sido interessante. Faz a pessoa se sentir melhor. Só devemos tomar cuidado para não cair na bestialização como disse Quintana. Tem uma música dos Titãs que diz: "Querer sentir a dor não é uma loucura / Fugir da dor é fugir da própria cura". Abraços.

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    1. Valeu Alex!
      Cara, a leitura do Nietzsche, que venho fazendo desde o ano passado, tem me deixado longe do pessimismo... Pra mim tem sido ótimo esse exercício! Se pra ti também, acho que vale a pena a gente seguir nessa linha... Essa música dos Titãs é incrível e totalmente coerente com a idéia apresentada! Ser otimista, sem ser estúpido... Valeu pelo comentário!
      Ao reler o texto novamente depois de publicado, tive uma certa aversão a maneira longa e imprecisa em que abordei o tema... Por isso escrevi o "Antídoto": http://tragicamentefalando.blogspot.com/2012/02/antidoto.html

      Abraço!

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  2. esse livro é excelente, do meu ídolo Oscar Wilde. Li esse livro na adolescência, pois o Morrissey, do Smiths, era fã e no mesmo mecanismo teu, resolvi ver que esse cara que era ídolo do meu ídolo tinha a dizer. O livro é sensacional, único romance de um grande escritor, poeta e pensador. Na canção Cemetry Gates, do álbum The Queen Is Dead, do Smiths (aliás o disco mais aclamado da banda) Morrissey canta "E eu te encontro nos portões do cemitério Keats e Yeats estão do seu lado mas você perde porque Wilde está do meu (claro!). Antes de ler O Retrato de Dorian Gray, com uns 15 anos mais ou menos, li na infância O Retrato, da obra de Erico Veríssimo, que conta a saga dos Terra Cambará, o famoso O Tempo e O vento, são 6 tomos que começam com o Arquipélago I e II, o Continente I e II e outro que não me lembro. De qualquer forma, num desses tomos tem o Retrato, que ao ver o seu retrato o personagem pensa em como seria com se ao invés de envelhecer não seria bom se o retrato carregasse as marcas do tempo. O livro de Wilde trata dos exageros da alma e é abordado de forma conservadora, até mesmo para um homossexual na Inglaterra do século XIX. Mas acima de tudo, se pensarmos contemporaneamente (e esse assunto é muito atual) trata dos exageros que fazemos por vaidade. Nossa geração não está longe de chegar ao ponto de fazer um pacto com o 'tinhoso' para se manter belo, como no caso de Doryan. Bela leitura, parabéns pela escolha.

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    1. Cara, fui no youtube curtir a música Cemetry Gates - Muito Foda!
      Alguns trechos onde ele descrevia os diálogos das madames aristocráticas com Lord Hanrry e o proprio Gray, eu sentia nausea de ler tanta futilidade. Wild é realmente fantástico...
      O livro deixou vertígens em mim... Conclui o livro com a cabeça fervilhando diante dos polêmicos atos do enlouquecido personágem principal... Não gosto de escrever muito. Mas nesse caso eu tinha tanta coisa pra falar, que acabei não falando nada do que eu queria num texto muito longo... Vou agir como se fosse um jogo de futebol mal jogado. Não dá pra excluir... Não gostei mais deste texto hoje, mas vou deixá-lo aí...
      Entretanto, criei pra ele um antídoto em verso! dá uma olhada: http://tragicamentefalando.blogspot.com/2012/02/antidoto.html

      Valeu pelo comentário Márcio!!!

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  3. Depois de reler este texto, achei-o pesado, e pouco esclarecedor... Nada com as fontes de inspiração citadas, mas como a meneira que o construí. O texto da sequência no blog pode ser seu antídoto!
    Quero simular no blog o que rola na vida: A palavra dita, jamais volta... Portanto não vou excluir nenhum texto. Posso no maximo contextar-me a mim mesmo, como fiz aqui: http://tragicamentefalando.blogspot.com/2012/02/antidoto.html

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  4. Jé, o ano passado assisti à uma 3ª versão do filme, o mais recente, de 2009, do diretor Oliver Park, na minha opinião o melhor de todas as que já tinha assistido. As outras versões são antigas. Assisti no Contour, vale à pena é totalmente baseado no livro e assistí-lo é tão interessante quanto ler o livro, chega a ser quase a mesma coisa, o diretor parece fazer uma cópia fiel do livro. Fiz uma resenha do filme na época http://muitoalemdoprincipiodoprazer.blogspot.com/search?q=o+retrato+de+dorian+gray
    Quanto à canção, Cemetry Gates é uma das obras primas de uma das duplas mais perfeitas que o rock inglês já teve: Morrissey/ Marr. Sou suspeito para dar qualquer opinião sobre o assunto.

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